Origens do Vau...
Conta-se que o lugar do Vau deve a sua origem à grande amizade existente entre dois irmãos. Um era monge e vivia no Convento do Vale Benfeito e o outro, de nome António de Barros, era morador na Vila de Óbidos. As visitas que o irmão obidense fazia eram sempre muito morosas e difíceis, pois havia que calcorrear caminhos que não são os de hoje e atravessar as várzeas da Quinta da Luz, muitas vezes inundadas, quase sempre a vau. Não há conhecimento como conseguiu o António de Barros adquirir os terrenos que lhe permitiram construir a casa para instalar a família e cultivar para a sua subsistência, mas o facto é que isso lhe foi facultado e assim, já a meio caminho para o Convento da Ordem de S. Jerónimo ficou com a vida um pouco facilitada, dando, simultaneamente, origem à povoação do Vau que, por volta de 1530 tinha cerca de trinta habitantes. Já acima foi referido o grande interesse das Casas Reais pela parte litoral da freguesia da Amoreira. Desde o séc. XII que esse interesse se manifestava, quer pela aquisição de terrenos, quer pela vinda a esses lugares para repouso ou para divertimento na caça e na pesca. Como era uso ao tempo, também a parte eclesiástica manifestava interesse, mormente onde estivesse a presença dos poderosos do reino. Assim, pólos de influência foram crescendo e crescendo também a necessidade de gente para traba lhar neles. A população sempre vivera do amanho das terras e do pescado da lagoa e do mar, e não era muita. Nem sequer a denominação de aldeia podia exibir, visto a sua população ser bastante diminuta. A carta do rei D. Fernando, que em seguida se transcreve, elucida perfeitamente o espírito reinante da época em relação à área que hoje abrange a freguesia do Vau. "(...) querendo fazer graça e merçee aos moradores que ora moram no vaao termo da dicta villaou a outros quaasquer que hi daquj en diante quiserem vijr morar contihinuadamente t eemos por bem e mandamos que elle nom seruam com o dicto concelho em nenhuua cousa nem paguem fintas nem talhas que selam lançadas per nosnem per o dicto concelho nem em outros encargos nenhuos desse concelho.
Outrossy mandamos que se alguus dos que morarem no dicto lugar teuerem filhos ou filhas que lhos nom constrangades nem mandedes constranger pêra morarem com elle fazede os logo entregar a seus padres e a suas madres. E se alguos mancebos ou mancebas quiserem vijr morar com os moradores do dicto lugar por suas soldadas mandamos que lhos nom tomedes e leixedes viuer com elles sem nenhuu embargo que lhe sobre ello ponhades.
Outrossy lhes nom tomedes nem mandedes tomar seos gaados. (...)
As protecções reais e senhoriais aumentaram e a população foi crescendo até que em 1747, mais precisamente a 12 de Janeiro, deu-se lugar à criação da freguesia do Vau. Tinha nessa altura 57 fogos e cerca de 230 adultos. A área que lhe foi concedida foi de 3.290 ha. Tudo na vida tem uma história e a criação da freguesia do Vau não foge à regra.
Como já se descreveu, era a área do Bom Sucesso local de peregrinação frequente de reis e rainhas. Por volta de 1740, veio a banhos às Caldas da Rainha o rei D. João V. Acompanhavam-no os infantes seus filhos D. José e D. Pedro que tinham como propósito seguir para a lagoa onde pescariam e caçariam. Este infante, que viria a ser o rei-consorte D. Pedro III, ao pescar junto à restinga entre a lagoa e o mar foi arrastado por uma vaga pondo em perigo a sua vida, mas uns pescadores que perto andavam logo se atiraram à água trazendo o Príncipe a salvo. Mais tarde, quando o infante perguntou aos remadores da bateira o que poderia fazer por eles, foi-lhe pedido que transformasse o seu lugar em freguesia. O infante prometeu e cumpriu. Era, ao tempo, cardeal-patriarca de Lisboa D. Thomaz d'Almeida que anuindo ao desejo formulado, desanexou da igreja de Nossa Senhora da Aboboriz as áreas que lhe pertenciam, dando, assim, origem à formação da freguesia do Vau.
Não foi pacífica, no entanto, esta desanexação. O pároco da Amoreira, João Teixeira Monteiro, conjuntamente com o cura Arsénio Caetano e o mestre de obras do Sobral da Lagoa, Manuel Teixeira, tudo fizeram para impedir que tal desiderato se cumprisse, chegando mesmo o mestre de obras a proferir: " Por ventura vocês são capazes de ter freguesia? Pois se o for, o sino hà de ser de cortiça, a corda de vides, o badalo de papel e a tumba de barro!"
Mas do outro lado, a grande vontade dos moradores capitaneados pelo padre José Alves e a protecção de D. Pedro fizeram que a balança pendesse para a criação da nova freguesia. A carta que o pároco da Amoreira rece beu de um amigo de Lisboa deitou por terra as poucas esperanças que ainda tinha. Dizia a missiva: "Amigo. Não tem remédio as suas pretensões e embargos que formou, porque os moradores do Iogar do Vau conseguiram o que pretendiam e sua Eminência lhes concedeu a freguesia e como isso foi requerido por cima, não teve remédio, o que nos pesa. (...), (...). foi uma punhalada dada no coração do Cura da Amoreira e como era muito activo e lhe pareceu sempre que nunca tal se efectuaria, movido pela paixão cahiu na cama e só durou 22 dias com vida. (...)""(...) Quem ficou também muito "amachucado" foi o Cura Arsénio Caetano, e, de tal forma, que vendeu e queimou todos os bens que possuía no lugar do Vau e se ausentou com o dinheiro que fez nos bens e foi morar para a cidade de Lisboa."
Nos arquivos da Freguesia do Vau não consta qual o seu primeiro presidente porquanto o livro de actas e demais documentação desapareceram num incêndio que destruiu a casa do elemento da Junta que os tinha à sua guarda.
Os três documentos que a seguir se apresentam, gentilmente facultados pela Junta de Freguesia do Vau, têm a "transcrição" e pontuação possíveis por forma a não deturparem o sentido que eles encerram e simultaneamente tornar possível a leitura para os menos habituados a este tipo de parafraseado. O primeiro é a prova da data da formação da Freguesia do Vau e a nomeação perpétua do Infante D. Pedro como Juiz da Fábrica da Paróquia da Igreja do Vau. O segundo, o reconhecimento do mesmo Príncipe, da sua protecção para a formação da Freguesia do Vau e aceitação como Juiz. O terceiro, a demonstração da continuidade da protecção Real na zona da Lagoa de Óbidos.