Origens da Localidade do Vau

A partir do século XII, o lugar do Vau começou a despertar os interesses das rainhas e seus herdeiros...



As Origens da Freguesia do Vau

A partir do século XII, o lugar do Vau começou a despertar os interesses das rainhas e seus herdeiros, do próprio rei, assim como de algumas instituições eclesiásticas, nomeadamente os mosteiros de Santa Maria e Alcobaça e das Donas de Chelas, testemunhados nas diversas aquisições de propriedades levadas a cabo por estes.

A rainha D. Beatriz, esposa de D. Afonso III (1248-1279), inicia uma verdadeira estratégia de aquisição no Vau, comprando uma herdade, algumas vinhas, um pomar e uma casa. Logo de seguida, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça e o Mosteiro de Chelas, apesar daquele parecer preferir as proximidades do Sobral da Lagoa, mostram-se igualmente interessados em aumentar o seu património junto do Vau.

Mais tarde, D. Afonso IV (1325-1357), surge-nos como proprietário de um «quinta», que afirma ter-lhe chegado através do seu almoxarife de Óbidos, João Abraão.

A esta política de aquisições junta-se um facto curioso: D. Fernando (1367-1383) e, depois dele, os seus sucessores, decidiram privilegiar, em 1374, os moradores da Aldeia do Vau, à semelhança do que já tinham feito para outras povoações “fronteiriças” entre Óbidos, a Atouguia e a Lourinhã.

D. Fernando «querendo fazer graça e merçee aos moradores que ora moram no vaao termo da dicta villa ou a outro quaasquer que hi haquj en diante quiseram vijr morar contihinuadamente teemos por bem e mandamos que elle nom seruam com o dicto concelho em nenhuua cousa nem paguem fintas nem talhas que saiam lançadas por nosnem per o dicto concelho nem em outros encargos nenhuos desse concelho.

Outrossy mandamos que se alguus dos que morarem no dicto lugar teuerem filhos ou filhas que lhos nom constrangades nem mandades costranger pêra morarem com elles fazede os logo entregar a seus padres e as suas madres. E s alguos mancebos ou mancebas quiserem vijr morar com os moradores do dicto lugar por suas soldadas mandamos que lhos nom tomedes e leixedes viuer com elles sem nenhuu embargo que sobre ello ponhades.

Outrossy lhes tomedes nem mandedes tomar seos gaados[...].

E qualquer que contra esto for em parte ou em todo mandamos que por esra carta Seia degradado de toda a Estremadura ataa nossa merçee e demais seiam bem certos que todos custos ou despesas que os moradores do dicto lugar por esro fizeram que nos lho madremos pagar de nossas casas em três dobras».

O Vau situa-se na margem esquerda da lagoa e nas proximidades de alguns reguengos e matas, como os de Vale Benfeito. Com esta medida, o rei alargava a sua área de influência em consonância com a preocupação de deixar bem clara a juridição da Coroa sobre as matas e lagoa.

O Vau juntamente com o Arelho eram as duas principais aldeias de leito da lagoa, provavelmente habitadas quer por agricultores, quer por pescadores que dividiam o seu tempo entre o amanho das terras e das culturas ou entre a pesca na lagoa e no mar, a partir do Porto de Salir.

Todavia, o Vau assumia, em termos demográficos, um papel insignificante no cômputo geral do concelho. Deste modo, era-lhe difícil ostentar o atributo de aldeia, o que só seria verdadeiramente na primeira metade do século XVI (1527-1532). Contudo então com seis vizinhos, o que não ultrapassaria os 30 habitantes, sendo provavelmente foreiros das importantes entidades e instituições proprietárias de «quintas» situadas no seu aro ou, eles próprios, possuidores de algum pequeno património que com elas confrontava. Uma fraca expressão populacional que não permitia ser tão cedo freguesia. Pinho Leal refere que o lugar do VAU e ao Aro envolvente pertenceu, nos primeiros tempos à freguesia de São Mocharro, acrescentando que paulatinamente aumentando a sua população, se construiu então uma pequena ermida, da invocação de Santo António de Lisboa, passados alguns anos, foi restaurada e ampliada, tendo sido o retábulo da Capela mor pintado por Josefa de Óbidos. Entretanto, o Vau viria a pertencer à freguesia da Amoreira, que ficava mais perto do lugar do que a de S. João Baptista do Mocharro.

Todavia, as pretensões do Vau a freguesia teriam lugar no século XVIII. A sua Memória Paroquial, datada de 22 de Maio de 1758, feita pelo pároco José Alves, atesta o lugar como cabeça de freguesia, acrescentando, «[...] Os que remavão a baterya ao sereníssimo Infante D. Pedro lhe dicerão este lugar necessitava de freguezia, o qual senhor a tomou tanto a sua conta que logo se freguezia, ficando juis perpetuo[...]».

A este propósito refere Pinho Leal que, cerca de 1740, D. João V numa ida aos banhos das Caldsa da Rainha com os seus filhos D. José, D. Carlos , D. Pedro e D. Alexandre, resolvera fazer uma caçada e pescaria na Lagoa de Óbidos e na Poça de Albufeira. Como os remadores das baterias que conduziam a amília real eram do lugar do Vau, logo aproveitarão a ocasião para pedirem ao infante D. Pedro que a sua terra se constituísse em freguesia, independentemente da freguesia da Amoreira. O infante prometeu-lhe interessar-se a favor da sua pretensão, pedindo a D. Thomaz d’ Almeida, 1º cardeal-patriarca de Lisboa que concedesse a requerida desanexação, ao que o prelado facilmente anuiu. Prejudicava isto nos seus interesses ao Padre João Teixeira Monteiro, cura pároco da Amoreira, que, com embargos e toda a qualidade de obstáculos a que pode recorrer, tentou anular a decisão do prelado, obrigando os do Vau a grandes incómodos e despesas, porque «o padre Arcenio Caetano, o canteiro Manuel Pereira, do Sobral da Lagoa, e outros, do Vau, amigos do cura da Amoreira, coadjuvaram este na sua tenaz opposição». E acrescenta: «os pretendentes, porém, tinham a seu favor a protecção do infante D. Pedro, e a bôa vontade e energia do padre José Alves», tendo o cardeal patriarca mandado levantar as paredes para a nova igreja matriz, em redor da ermida de Santo António e N. Senhora da Piedade, ficando esta a ser orago da nova freguesia.

Um pouco mais adiante, Pinho Leal refere: «conservou-se freguezia independente, por espaço de 129 anos (desde 1750, até 1879) sendo em Fevereiro d’ este ultimo anno annexada á do Sobral da Alagôa», criada em 1837.

Em 1758 já se encontrava, portanto, instituída a freguesia, cuja mercê tinha sido concedida pelo Infante D. Pedro, futuro D. Pedro III, quando D. Maria, sua sobrinha (filha de D. José), com quem casara, subiu ao trono em 1777. E não poderíamos recuar muitos. Pois teríamos de encontrar a data de instituição da freguesia já no período em que D. Pedro assume o comando da Casa do Infantado, por morte do Infante D. Francisco (1691-1742), filho de D. Pedro II e irmão de D. João V, que viria a ocorrer em 1742.

Entretanto os estragos causados pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755 tinham trazido grandes danos ao lugar do Vau, assim como à sua igreja. A esse respeito refere a sua Memória: «no terramoto de 55 teve munta perda o lugar, e a igreja, na qual cahio hum remate de retabolo de Santa Quiteria sem fazer mal a gente, a qual via andar a Santa a saltar na pianha sem cahir; as paredes ficarão fendidas e o teto ficou só sobre os olivaes e a mais madeyra quebrou; tem dois sinos hum cahio por huma escada de pedra, mas não quebrou: Já está reedeficada com todo o aceyo pocível concorrendo os freguezes com o trabalho, e pedindo esmolas, e buscando algum dinheyro emprestado». A fim de reparar os danos causados pelo mesmo terramoto, os oficiais da Mesa da igreja paroquial de Nossa Senhora da Piedade, do lugar do Vau, pediram ao infante [D. Pedro], como protector e juiz perpetuo da dita fabrica, «...fosse servido dar-lhes a esmolla que [lhe] parecesse pellos sobreditoz doze annos...». Em resposta e «...por necessitar muyto della assim por ser podrissima como por se achar empenhada com as grandes despezas que havia feito em o reparo das ruynas que lhe cauzara o terramoto...», o Infante fez mercê aos oficiais da mesma fabrica de doze mil reis cada ano, de esmola. O Infante, respondia, assim, aos apelos dos oficiais da Mesa da Fábrica da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade, por Alvará, datado de 1759 Julho 30, cujo traslado se encontra na posse da Junta de Freguesia do Vau.

A fundação da freguesia situar-se-ia, portanto, entre os anos 1747-1748. Um outro documento também na posse da Junta de Freguesia do Vau, permite-nos, porém precisar o dia. Trata-se de uma resolução da rainha D. Maria, datada de 8 de Outubro de 1781, e refere o seguinte: «...se mandou ao thezoureiro da casa do Infantado pagasse ao oficiaes da Meza da fabrica da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da Piedade do lugar do Vao, termo da Villa de Obidos, 156 mil reis, vencidos desde 12 de Janeiro de 1747 em que foy erecta a dicta freguezia e se nomeou a Sua Alteza por Juis perpetuo da mesma Fabrica the o ultimo de Dezembro de 1759 a respeito de 12 mil reis de esmolla por anno e que lhe fez merce o mesmo senhor.».

Está encontrado o dia – 12 de Janeiro de 1747. Tinha então a freguesia 57 fogos, pelo que não ultrapassaria as 230 pessoas, sendo 218 homens e mulheres, maiores e menores, tendo que se acrescentar a este número os inocentes, ou seja, as crianças até 7 anos de idade, que não faziam parte do cômputo geral da população, por não terem ainda cumprido os preceitos religiosos – a confissão e a comunhão. Uma data não muito distante da referida por Pinho Leal, que não tivera acesso aos referidos documentos.

Transcrição do livro “As Origens da Freguesia do Vau” de Carlos Guardado da Silva

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